O juízo final em Genebra

O New York Times tem uma notícia pelo menos curiosa essa semana (na verdade ela está em vários serviços de notícias, mas citar o NYT dá um ar intelectual mais blasé). Dois cidadãos, Walter L. Wagner e Luis Sancho abriram um processo junto a uma corte federal norte-americana para salvar o mundo, e talvez o universo. O processo pede a imediata suspensão das operações do Large Hadron Collider (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo com 27km de circunferência próximo a Genebra, na fronteira entre a França e a Suíça. O LHC, que deve iniciar sua operação nem maio de 2008, vai forçar feixes de prótons circulando em sentidos contrários a colidirem com energias de até 7TeV por feixe, nunca antes alcançadas na terra. Os senhores Wagner e Sancho temem que nas colisões se forme um buraco negro que poderia causar o fim do mundo.
Por mais que isso pareça uma piada, o próprio CERN, administrador do LHC, fez um estudo sobre "Eventos potencialmente perigosos durante colisões de íons pesados no LHC". O estudo considera cenários como a formação de strangelets de carga negativa, buracos negros e monopolos magnéticos, e conclui que nenhum deles representa alguma ameaça.
Esse tipo de temor é antigo. Em 1999 o mesmo Walter Wagner trocou cartas na Scientific American com o prêmio Nobel F. Wilczeck sobre os riscos do acelerador RHIC, o mais energético daquela época e depois abriu processos em San Francisco e Nova Iorque com o objetivo de cancelar os experimentos. Ele não teve sucesso, os experimentos continuaram e o mundo não acabou. O sisudo Sunday Times publicou a alarmante manchete "Máquina do big bang pode destruir a terra" e a New Scientist buscou um pouco de serenidade com Um buraco negro comeu meu planeta. Muito antes disso, no projeto Manhattan, quando foram explodidos os primeiros artefatos nucleares, o famoso relatório LA-602 garantia que as explosões não iriam causar a ignição da atmosfera assim destruindo a vida na terra.
Um dos objetivos dos experimentos do LHC é recriar as condições do universo frações de segundo após o big bang, e dessa forma testar modelos da para a natureza e mesmo desafiar nossa compreensão da realidade física. Por exemplo, as equações de Maxwell, que descrevem os campos eletro-magnéticos precisariam ser modificadas se existirem monopolos magnéticos, até hoje nunca detectados. A construção do LHC já dura 14 anos tendo custado mais de US$ 8 bilhões.
Cientistas causando o fim do mundo ou criando monstros incontroláveis consiste em um tema recorrente na ficção. No best-seller Anjos e Demônios de Dan Brown uma garrafa contendo antimatéria (obtida justamente no CERN) é roubada e ameaça destruir o mundo.
Obviamente a sociedade deve interagir com a comunidade científica quanto a aspectos éticos da pesquisa, como é o caso da discussão atual sobre células-tronco no STF. Um experimento que pode destruir o mundo é sem dúvida um caso a ser discutido. Por outro lado, para formar opinião é fundamental estar corretamente informado e ter uma formação científica mínima. O Sr. Wagner formou-se em Berkeley em Biologia com um minor em Física. Mas ele ao mesmo tempo delira quando diz ter no início de sua carreira descoberto uma nova partícula inicialmente identificada como um monopolo magnético em um experimento com raios cósmicos em um balão, mas concede que há controvérsias sobre o assunto. Talvez ele tema que a ainda que improvável descoberta de um monopolo magnético torne o seu próprio ainda mais nebuloso. De acordo com o Hawaii Tribune Herald (precisa se registrar para ter acesso) Wagner e sua esposa foram indiciados por roubo de identidade em um processo local.
Como acontece freqüentemente nesses casos, conceitos científicos se misturam com vontades, medos e fantasias para criar uma paranóia coletiva baseada apenas na desconfiança generalizada sobre os cientistas e seus procedimentos. Esse é o mesmo ingrediente que leva incautos a terapias complementares e alternativas. No caso do LHC nem precisa invocar energias vitais, forças místicas ou a quinta dimensão.

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