
O cabeçalho da Gazetinha, reproduzido aqui, já chama a atenção. Além de uma estranha imagem de Samuel Hannemann, o criador da doutrina homeopática e do logo da associação, aparecem os logos da Associação Médica Brasileira e do Conselho Federal de Medicina, como se eles fossem parceiros da AMHB na publicação. A presença do logo da AMB se justifica. Trata-se de uma associação à qual a AMHB é filiada. Já a presença do CFM causa desconfiança. O que o logo de um conselho que possui atribuições constitucionais de fiscalização e normatização da prática médica faz na Gazetinha? Seria a Gazetinha um instrumento de fiscalização e normatização? Obviamente não. Por exemplo, na capa do boletim Circulação da Associação Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular há o logo da AMB mas não o do CRF.
O título da Nota Oficial é "Céticos versus homeopatia: conflitos de idéias e interesses". Abaixo reproduzo em azul e comento somente as partes principais que estão em desacordo com os fatos e com a Cultura Científica.
"Com apelos publicitários expressivos, lançam mão agora de falsos conceitos sobre a ciência, para enganar a opinião pública e principalmente tentar ludibriar as INSTITUIÇÕES de ensino, de pesquisa e de profissionais."
Não sei exatamente a quem a nota se refere, mas não li nenhuma linha crítica à homeopatia empregando "falsos conceitos sobre a ciência para enganar a opinião pública".
"Os motivos verdadeiros que os movem, naturalmente se escondem atrás das fontes de seus financiamentos. E estas fontes não são oriundas da ciência nem daqueles que são sinceros com os interesses da mesma!"
A velha e paranóica afirmação em relação aos cientistas que mostram que homeopatia não é ciência. Este blog, como vários outros, tem reiteradamente afirmado que homeopatia não é ciência. E nunca recebeu um centavo da indústria farmacêutica. Aliás, ele não tem fonte de financiamento alguma.
"A homeopatia tem sido uma ferramenta a mais nas mãos das ciências médicas há mais de 200 anos, prestando serviços à saúde das populações. Ao longo destes anos, os HOMEOPATAS jamais se furtaram ao debate acadêmico e científico."
Aí está a primeira confusão conceitual: Ciência não é debate. É método. Ao contrário do que ocorre nas humanidades, o debate acadêmico científico só existe balizado por uma metodologia que permite verificar hipóteses. As idéias de Hannemann jamais foram validadas pelo método científico. Ao contrário.
"E do ponto de vista da ciência, existe algo que nunca se pode abrir mão: SÃO OS FATOS."
Eu não poderia concordar mais com essa passagem da nota.
"É importante salientar que a Organização Mundial de Saúde, além de constatar o crescimento do uso da homeopatia nos diversos continentes, vem também adotando como estratégia o incentivo aos seus países membros, para que adotem o uso da homeopatia como recurso terapêutico e adotem pesquisas sobre a segurança e a eficácia de seu uso."
Essa frase longa contém uma verdade e uma mentira.
É verdade que a OMS publicou em 2010 um "Guia de Segurança para a preparação de remédios homeopáticos, que pode ser obtido diretamente na página da OMS. Nada mais apropriado: vários remédios homeopáticos são preparados a partir de substâncias altamente tóxicas ou letais, sacudidas e diluídas até que não sobre nenhuma molécula da substância original no remédio que será tomado. É muito importante o farmacêutico que prepara essa diluição ter certeza de que nenhuma molécula tóxica está presente no produto final, caso contrário conseqüências desagradáveis podem ocorrer.
É mentira que a OMS incentive o uso da homeopatia. Em 1999 B. Poitevin, então presidente da "Associação Francesa de Pesquisas em Homeopatia" publicou um artigo de opinião no Bulletin of the World Health Organization, no qual ele propunha a integração da homeopatia nos sistemas de saúde. Esse artigo reflete a opinião do Sr. Poitevin, não da OMS. Em meados de 2010 o grupo Voice of Young Science Network enviou uma carta aberta à OMS sugerindo que a OMS condenasse o uso de homeopatia para tratar de tuberculose, diarréia infantil, gripe, malária e HIV. Todas doençcas que podem levar ao óbito do paciente. A carta foi devidamente criticada na página da ABMH. No entanto, a OMS pronunciou-se claramente NÃO recomendando homeopatia para tratar essas doenças. Isso está documentado no Counterknowledge e pela BBC.
"SÃO OS FATOS OBSERVADOS PELA EVOLUÇÃO CLÍNICA DOS PACIENTES E DOENTES que atestam e cientificamente definem o valor de um tratamento, pois a prova final será dada pela qualidade dos resultados clínicos, em termos de segurança e eficácia, para a medicina."
Quem escreveu a nota mostra desconhecimento do que é o método científico. Testes clínicos científicos exigem um protocolo rígido a ser seguido, o do estudo duplo cego. Todos os meta-estudos feitos a partir de estudos duplo-cego até hoje mostraram que a homeopatia não tem efeito maior que o placebo. Isso é definitivo, motivou em 2005 um editorial da Lancet sugerindo que não se gaste mais recursos em pesquisas com homeopatia. O resultado não surpreende, dado que os remédios homeopáticos não contém concentração relevante de princípio ativo.
"Por isso, o nosso repúdio a este movimento de pseudo-céticos ingleses, que procuram expandir mundo afora os seus ataques à Homeopatia, que insultam deliberadamente a inteligência, a autonomia, as instituições, a auto-determinação e a soberania da nação brasileira!"
Não sei por que a nota qualifica o movimento 10:23 britânico como pseudo-cético. A frase final de tom emocionado-nacionalista mostra um certo exagero. Eu venho há anos dizendo que a homeopatia não é uma prática científica sem insultar essa lista de instituições.
Para finalizar esse longo texto, quero chamar a atenção para o que o NCCAM afirma sobre homeopatia em sua página. O National Center for Complementary and Alternative Medicine é uma instituição de pesquisa do National Institutes of Health norte-americano que foi estabelecida para estudar medicina complementar e alternativa. Ele foi criado por pressão de membros do congresso adeptos dessas práticas que esperavam assim validá-las. Milhões de dólares do contribuinte americano foram investidos nessas pesquisas. Está na página deles:
"A maior parte das análises da pesquisa em homeopatia concluiu que há pouca evidência para apoiar homeopatia como um tratamento efetivo para qualquer condição de saúde específica, e que muitos estudos foram falhos. No entanto, existem alguns estudos observacionais individuais, estudos duplo-cego controlados por placebo, além de pesquisa laboratorial que apontam resultados positivos ou propriedades físicas e químicas únicas de remédios homeopáticos".
Eu adoraria ver esses raros estudos.
O maior problema com a Nota Oficial da ABMH é que ela pretende validar cientificamente o que não pode ser demonstrado cientificamente. E apelam para outras formas de validação de autoridade, como o logo e a menção ao CRM e a falsa recomendação da OMS.
Não seria a hora, como sugeriu aqui nesse blog o ex-conselheiro e ex-diretor do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) Dr. Celio Levyman, de o CRM rever o status de especialidade conferido à homeopatia? Não poderíamos seguir o exemplo do Voice of Young Science Network e buscar formar opinião nessa direção?
Referências:
Shang, A., Huwiler-Müntener, K., Nartey, L., Jüni, P., Dörig, S., Sterne, J., Pewsner, D., & Egger, M. (2005). Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy The Lancet, 366 (9487), 726-732 DOI: 10.1016/S0140-6736(05)67177-2"Com apelos publicitários expressivos, lançam mão agora de falsos conceitos sobre a ciência, para enganar a opinião pública e principalmente tentar ludibriar as INSTITUIÇÕES de ensino, de pesquisa e de profissionais."
Não sei exatamente a quem a nota se refere, mas não li nenhuma linha crítica à homeopatia empregando "falsos conceitos sobre a ciência para enganar a opinião pública".
"Os motivos verdadeiros que os movem, naturalmente se escondem atrás das fontes de seus financiamentos. E estas fontes não são oriundas da ciência nem daqueles que são sinceros com os interesses da mesma!"
A velha e paranóica afirmação em relação aos cientistas que mostram que homeopatia não é ciência. Este blog, como vários outros, tem reiteradamente afirmado que homeopatia não é ciência. E nunca recebeu um centavo da indústria farmacêutica. Aliás, ele não tem fonte de financiamento alguma.
"A homeopatia tem sido uma ferramenta a mais nas mãos das ciências médicas há mais de 200 anos, prestando serviços à saúde das populações. Ao longo destes anos, os HOMEOPATAS jamais se furtaram ao debate acadêmico e científico."
Aí está a primeira confusão conceitual: Ciência não é debate. É método. Ao contrário do que ocorre nas humanidades, o debate acadêmico científico só existe balizado por uma metodologia que permite verificar hipóteses. As idéias de Hannemann jamais foram validadas pelo método científico. Ao contrário.
"E do ponto de vista da ciência, existe algo que nunca se pode abrir mão: SÃO OS FATOS."
Eu não poderia concordar mais com essa passagem da nota.
"É importante salientar que a Organização Mundial de Saúde, além de constatar o crescimento do uso da homeopatia nos diversos continentes, vem também adotando como estratégia o incentivo aos seus países membros, para que adotem o uso da homeopatia como recurso terapêutico e adotem pesquisas sobre a segurança e a eficácia de seu uso."
Essa frase longa contém uma verdade e uma mentira.
É verdade que a OMS publicou em 2010 um "Guia de Segurança para a preparação de remédios homeopáticos, que pode ser obtido diretamente na página da OMS. Nada mais apropriado: vários remédios homeopáticos são preparados a partir de substâncias altamente tóxicas ou letais, sacudidas e diluídas até que não sobre nenhuma molécula da substância original no remédio que será tomado. É muito importante o farmacêutico que prepara essa diluição ter certeza de que nenhuma molécula tóxica está presente no produto final, caso contrário conseqüências desagradáveis podem ocorrer.
É mentira que a OMS incentive o uso da homeopatia. Em 1999 B. Poitevin, então presidente da "Associação Francesa de Pesquisas em Homeopatia" publicou um artigo de opinião no Bulletin of the World Health Organization, no qual ele propunha a integração da homeopatia nos sistemas de saúde. Esse artigo reflete a opinião do Sr. Poitevin, não da OMS. Em meados de 2010 o grupo Voice of Young Science Network enviou uma carta aberta à OMS sugerindo que a OMS condenasse o uso de homeopatia para tratar de tuberculose, diarréia infantil, gripe, malária e HIV. Todas doençcas que podem levar ao óbito do paciente. A carta foi devidamente criticada na página da ABMH. No entanto, a OMS pronunciou-se claramente NÃO recomendando homeopatia para tratar essas doenças. Isso está documentado no Counterknowledge e pela BBC.
"SÃO OS FATOS OBSERVADOS PELA EVOLUÇÃO CLÍNICA DOS PACIENTES E DOENTES que atestam e cientificamente definem o valor de um tratamento, pois a prova final será dada pela qualidade dos resultados clínicos, em termos de segurança e eficácia, para a medicina."
Quem escreveu a nota mostra desconhecimento do que é o método científico. Testes clínicos científicos exigem um protocolo rígido a ser seguido, o do estudo duplo cego. Todos os meta-estudos feitos a partir de estudos duplo-cego até hoje mostraram que a homeopatia não tem efeito maior que o placebo. Isso é definitivo, motivou em 2005 um editorial da Lancet sugerindo que não se gaste mais recursos em pesquisas com homeopatia. O resultado não surpreende, dado que os remédios homeopáticos não contém concentração relevante de princípio ativo.
"Por isso, o nosso repúdio a este movimento de pseudo-céticos ingleses, que procuram expandir mundo afora os seus ataques à Homeopatia, que insultam deliberadamente a inteligência, a autonomia, as instituições, a auto-determinação e a soberania da nação brasileira!"
Não sei por que a nota qualifica o movimento 10:23 britânico como pseudo-cético. A frase final de tom emocionado-nacionalista mostra um certo exagero. Eu venho há anos dizendo que a homeopatia não é uma prática científica sem insultar essa lista de instituições.
Para finalizar esse longo texto, quero chamar a atenção para o que o NCCAM afirma sobre homeopatia em sua página. O National Center for Complementary and Alternative Medicine é uma instituição de pesquisa do National Institutes of Health norte-americano que foi estabelecida para estudar medicina complementar e alternativa. Ele foi criado por pressão de membros do congresso adeptos dessas práticas que esperavam assim validá-las. Milhões de dólares do contribuinte americano foram investidos nessas pesquisas. Está na página deles:
"A maior parte das análises da pesquisa em homeopatia concluiu que há pouca evidência para apoiar homeopatia como um tratamento efetivo para qualquer condição de saúde específica, e que muitos estudos foram falhos. No entanto, existem alguns estudos observacionais individuais, estudos duplo-cego controlados por placebo, além de pesquisa laboratorial que apontam resultados positivos ou propriedades físicas e químicas únicas de remédios homeopáticos".
Eu adoraria ver esses raros estudos.
O maior problema com a Nota Oficial da ABMH é que ela pretende validar cientificamente o que não pode ser demonstrado cientificamente. E apelam para outras formas de validação de autoridade, como o logo e a menção ao CRM e a falsa recomendação da OMS.
Não seria a hora, como sugeriu aqui nesse blog o ex-conselheiro e ex-diretor do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) Dr. Celio Levyman, de o CRM rever o status de especialidade conferido à homeopatia? Não poderíamos seguir o exemplo do Voice of Young Science Network e buscar formar opinião nessa direção?
Referências:
The Lancet, . (2005). The end of homoeopathy The Lancet, 366 (9487), 690-690 DOI: 10.1016/S0140-6736(05)67149-8